quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Arrábida e as Grutas

por Rui Francisco e Pedro Pinto.

No princípio, há cerca de 220 milhões de anos, numa bacia marginal dos primitivos Continentes, algo aconteceu: restos orgânicos e minerais foram-se depositando e acumulando em camadas sucessivas neste fundo marinho; o peso das camadas superiores comprimiu as inferiores, que assim se consolidaram, transformando-se em rochas. A partir deste lento processo, a natureza criou as condições para que um dia se erguesse o que por todos é conhecida por Cadeia da Arrábida. Ao longo dos seguintes milhões de anos, a acção das forças internas do planeta pressionou, deformou, enrugou e fracturou a massa geológica então criada fazendo com que esta aflorasse à superfície dando assim origem às primeiras formas de relevo. Sobre estas os elementos de erosão começaram a actuar, esculpindo a superfície até se atingir o modelado que conhecemos hoje e, simultaneamente, foram laboriosamente abrindo e alargando espaços subterrâneos: as grutas.

Em termos gerais, o processo de formação das grutas dá-se quando a água da chuva na sua passagem pela atmosfera dissolve e carrega consigo uma parcela de dióxido de carbono presente no ar; ao chegar ao solo, passando pela camada de húmus e raízes a água é ainda mais enriquecida o que a torna ligeiramente ácida. Este ácido, penetra no maciço e corrói o calcário, alargando as juntas de estratificação, as diáclases e as falhas; este lento processo é o responsável pela criação das grutas chegando a gerar, com o passar do tempo, complexas redes subterrâneas.

Após a sua formação as cavernas continuaram o seu ciclo de eterna transformação: preenchimentos, derrocadas, concreções ocorreram; a água, deixou de preencher toda a gruta e foi forçada para níveis inferiores: foi rebaixando o nível freático. Este factor permitiu o aparecimento de zonas secas nas grutas. Quando estas ocorreram com aberturas para o exterior, ficaram disponíveis para serem ocupadas, quer por animais quer pelos primeiros habitantes humanos.

De certo modo esses nossos antepassados foram os primeiros exploradores das grutas. A sua relação com elas foi tal que nos deixaram vestígios suficientes para, num contexto de exploração espeleológica, os pudéssemos imaginar nesses espaços, estudar-lhes os comportamentos e assim analisar as alterações artificiais por eles deixadas.

Conhecem-se muito poucas grutas activas (com água) em toda a área da Arrábida, a maioria das grutas consiste em sistemas fósseis fortemente adornados por formações calcíticas, com temperaturas médias na ordem dos 18ºC.


Além da beleza que representam, constituem um legado de interesse e importância multidisciplinar, geológico, geomorfológico, biológico etc. Não menos fundamental é o facto de serem o testemunho indirecto dos importantes reservatórios naturais de água que, embora estejam inacessíveis, existem sob estas; são ainda locais privilegiados para o desenvolvimento de actividades ecoturísticas. O clima, a proximidade com o mar e a complexidade geológica da Cadeia da Arrábida são responsáveis por alguns tipos de cavernas que não são de todo vulgares. São disso exemplo a Gruta do Frade, incomparavelmente a mais bela de Portugal e a maior a sul do Tejo; a Gruta do Meio recentemente descoberta na zona do Cabo Espichel e que possui testemunhos de erosão que lhe conferem uma estrutura invulgar; a Gruta do Zambujal, primeira cavidade portuguesa classificada com o estatuto de interesse espeleológico (Decreto-Lei nº 140, de 21 de Maio) e a Lapa do Fumo, estação arqueológica, classificada como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto - lei 28/82, são algumas das boas referencias que se devem ter em conta, uma vez que ilustram bem particularidades da história geológica e humana da região.

No entanto são espaços extremamente vulneráveis. Na legislação portuguesa os “geótopos” não têm qualquer existência formal, ao contrário do que acontece com os biótopos. Esta situação expõe estes espaços a vários tipos de ameaças; pressão humana pelos visitantes ocasionais, alguns bem intencionados outros nem tanto; afluência de grandes números de pessoas ao longo do ano sem qualquer tipo de critério ou conhecimento sobre o mundo subterrâneo; a visitação a grutas de hibernação e/ou criação de morcegos é apontada como a principal causa para o seu declínio; a exploração de pedreiras, da qual são exemplos a lenta e agoniante destruição da Gruta do Zambujal ou a total destruição do maior algar da Arrábida, em apenas dois dias, na pedreira do Risco. É também de realçar que, estando estas em zonas cársicas, potenciam também a contaminação dos aquíferos.
Estes como principais problemas representam uma ameaça presente e real deste particular legado.

As grutas devem ser dadas a conhecer ao grande público sob o lema “divulgar para preservar”, alertando para a importância e fragilidade deste património. Deste modo pode-se construir um importante instrumento para mudar atitudes que ajudem a compreender e valorizá-las.
Do promontório do Cabo Espichel a Setúbal, a exploração, observação e interpretação das cavernas tendo em conta o seu processo de formação, seu ambiente e sua relação com o ambiente externo conduziu os espeleólogos à descoberta de mais de uma centena de espaços subterrâneos.
A Arrábida não é uma região de longas cavernas, mas sim uma região onde a diversidade destas é generosa e, talvez por isso, única.

Texto publicado na Carta Arqueológica de Sesimbra, pag. 134, ano 2009.

1 comentário:

  1. boa! boa! queria ter tempo para ir ao campo!! beijinhos até um dia deste pessoal ;)

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